Desavença quanto ao reajuste do salário
mínimo é aperitivo da disputa dentro do governo
O ministro Nelson Barbosa fez o que sabe fazer ao pregar mudanças no
salário mínimo.
Ele, assim como os dois outros membros da troika da economia
nacional - Joaquim Levy, ministro da Fazenda, e Alexandre Tombini, do Banco
Central--, perseguem o azul nas contas, custe o que custar. Fugir do prejuízo
não está errado. A questão é escolher de onde tirar.
Esperar que eles tenham maiores preocupações sociais é como pedir a um
cantor de ópera que faça um concerto de rock. Não funciona. A chance de
desafinar é quase total. A troika brasileira é formada na escola que acha
porque acha que os salários no Brasil subiram demais. Ponto. Não há Cristo que
os faça pensar o contrário. Os três, aliás, não escondem isso de ninguém. Neste
ponto, identificam-se com a chamada troika que afundou a Europa, composta pelo
Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia.
Com uma tesoura na mão e a ideia fixa na cabeça, a equipe econômica
pretende defender o programa neoliberal ortodoxo. Não lhe cabe culpa: é isso o
que ela aprendeu. O problema está em quem a contratou. A troika trabalha como
aquelas consultorias que todo mundo já viu nas empresas do dia a dia. Ao
primeiro sinal de dificuldade, a providência automática é cortar
"custos", diga-se, empregos e salários. Desde que, bem entendido,
resguardados o quinhão dos controladores e acionistas majoritários.
Valendo-se de abstrações matemáticas e jargões economicistas, tenta-se
vender no Brasil a impressão de que os pobres passaram a ganhar muito e vivem
refestelados em benefícios sociais nababescos.
Como se diz, o papel aceita tudo. O fato de o sujeito deixar de ser
miserável vira objeto de comemoração, de um lado, e de alerta, de outro. Se
alguém deixa de passar fome, mesmo sem nunca ter sido apresentado a uma fatia
de carne, vira símbolo da redenção social para governantes. Para outros, os
endinheirados, é sintoma de gordura a eliminar.
Chamado às falas pela presidenta, Barbosa teve que soltar uma nota
desmentindo mudança nas regras do salário. Alguns viram nisso uma afirmação da
supremacia da presidente. Os mais realistas enxergaram aí o começo da guerra de
posições que, no limite, ameaça levar à paralisia da administração e, aí sim, a
desarranjos difíceis de consertar.
Num momento em que as previsões são de aumento do desemprego e diminuição
da renda, soa injustificável, para um governo ungido pelos mais humildes,
iniciar "correções" justamente arrochando instrumentos como o seguro
desemprego. É muito pra cabeça de qualquer um. Certamente por isso nem mesmo
dirigentes de centrais sindicais mais conservadoras compareceram à festa de
posse em Brasília.
Independentemente do mérito, existe uma agenda muito clara para o novo
governo. Por que, em vez de "ajustar benefícios", o Planalto não
anuncia o engajamento de fato em projetos como o de taxação de grandes
fortunas, cerco à evasão fiscal das grandes empresas, correção justa na tabela
do imposto de renda, imposição de limites à precarização desenfreada do mercado
de trabalho e regulamentação da lei anticorrupção? Tudo isso sem falar nos juros
nas alturas, feitos sob medida para engordar a banca e emagrecer o orçamento já
curto dos assalariados.
Dar bronca em auxiliares pode dar impressão de autoridade; não resolve,
porém, o cotidiano das famílias, que no fim é o que deveria importar. Mas tudo
parece possível num país em que mesmo biografias são revisadas ao gosto de
terceiros. Em que a história de gente como Tim Maia é reescrita ao vivo e em
cores para limpar a ficha de quem preferiu "ajustar" seus próprios
interesses em vez de olhar para quem ajudou na escalada do Planalto das
celebridades.
* O jornalista Ricardo Mello escreve às segundas-feiras no jornal Folha de São Paulo
* O jornalista Ricardo Mello escreve às segundas-feiras no jornal Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário